quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles

Mesmo achando um perigo colocar esse texto...:

Entra na roda, moreno, com seu chapéu de palha antiga.
Entra na roda e me chama para dançar, como só você faz. Puxando-me pelo braço, não me deixando escapar.
Vai, moreno, me mostra uma coisa nova. Deixa ver o brilho dos teus olhos e que você tanto esconde. Deixa-me descobrir de que cor você é, como as vogais de Rimbaud.
E assim continuamos dançando. Eu para te descobrir, você para se esconder; para sempre. Mas, por favor, não pare.
Deixa-me sair da roda, moreno. Levando seu chapéu de palha antiga.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

un coeur sans mur

Sempre quem conta uma história junta seus cacos e os ordena. Por esse motivo pode interpretar os sinais, os atos, de forma errônea.
Sendo assim, quero deixar claro que nem a conheço muito bem. Algumas vezes dividimos o mesmo ambiente, a mesma sala; além da infância.


Era bailarina, diziam que era deusa coroada, que tinha os olhos de doçura angelical e até o diamante mais puro do mundo sentiria inveja de como ela reluzia. Tinha as mãos finas, leves como um passarinho. Mas de que adianta as asas para um pássaro que não pode, não quer voar?
Primeiro acharam que era cólera. Os sintomas eram parecidos, mas o mal-estar dos intestinos só vinha até certo horário e em certos dias. A moça vivia em meio a tios, primos, irmãos e eles, como a maioria, não sabiam diferenciar um intestino mal-criado dos males que um coração abarrotado causava ao corpo. Precisaram de um especialista - em cólera, claro – para deixar claro que o problema da moça estava no peito e não na barriga.
O pai da jovem vítima da cólera do coração fez de tudo para descobrir quem era o culpado de deixá-la naquele estado. Contratou duas feiticeiras que prometeram arrancar o verme do amor de seu coração. Não conseguiram. Foram expulsas pela própria moça debaixo de gritos e injúrias.
O dono das terras de seu coração, essa terra que ninguém anda, era um soldado muito valente. Diziam que o rapaz estava a serviço dos surdos de coração e astutos de mente. Ela recebia seus telegramas todo dia por volta das cinco horas da manhã e as vezes passava a noite em claro com as vísceras rebeldes e as rezadeiras tentando acalmar o peito.
As horas duravam dias e ela ia descobrindo que os clichês eram assim chamados por um motivo. E descobriu também que alguns desavisados confundiam clichê com a verdade.
Um dia, no entanto, o telegrama não chegou. A moça piorou muito, mulheres corriam pela casa com baldes de água morna e deixavam poças que mais pareciam sangue por causa do cimento vermelho. Na verdade, esse dia ainda é lembrado pela confusão causada tanto na casa como na cidade.
A doença da moça tinha se agravado de tal forma que ninguém percebeu o furacão que se aproximava. Os ventos sacudiam as cortinas e levantavam as saias das mulheres com tanta freqüência que os meninos da casa vizinha se enfiavam debaixo das anáguas enquanto brincavam de se esconder. A loucura era tanta que um dos meninos tentando se esconder sob a saia da mais velha acabou derrubando-a com o balde que trazia. Todas vieram ajudar e por alguns segundos a apaixonada ficou sozinha.
Alguns dias depois as crianças que brincavam em meio às folhas que voavam na praça acabaram contando que viram a jovem caminhar para fora da casa. Disseram que ela parecia em perfeita saúde, que pulava entre os rodamoinhos e, sem que eles soubessem explicar como, depois de uma rajada de poeira que os obrigou a fechar os olhos, ela andava de mãos dadas a um rapaz, que mais parecia um príncipe, em direção à saída da cidade. Sumiu para sempre.

sábado, 19 de janeiro de 2008

olhos verdes, olhos de cinzas

Era interessante como seus atos frente aos olhos dela deviam parecer tão cafonas. Para ela o sair, o andar, o desconhecido era fascinante. Perguntava-se o que deveria ter acontecido com ele, como aqueles olhos verdes se tornaram cinzas daquele jeito. Inexplicável. Será que ela também teria virado um ser irreconhecível, enrugado?
Ele se perguntava há quantos anos não se viam. Quinze, vinte anos? Uma vida. Aquela vida. As lembranças antes esquecidas lhe vieram à cabeça manchando a retina. Os dois eram jovens, por um descuido ela engravidara e por destino perdeu o bebê. A mente infantil lhes fechou e o afastamento foi natural. Ela foi para outra cidade com a mãe viúva, ele continuou por lá, sem saber o que fazer, sentindo saudade do que poderia ter sido. Agora tudo era um sonho efêmero.
Ela jamais esqueceu. Ele ainda estava marcado em seu peito. Tinha fugido de si mesma quando foi embora e, para se deixar para trás, era preciso que ele passasse a fazer parte do passado.
Hoje eram pessoas completamente diferentes. Ela sempre o chamara de “meu anjo” pelos olhos doces e os dedos macios, mas hoje ele não era mais um anjo. Afinal não existem anjos fumantes, que usam terno de lã e bebem whisky. Só existe lirismo na adolescência. Que encanto ele poderia ter agora? Existe espaço para a beleza no “normal”?
Ela também tinha mudado. Não se fixava em lugar algum. Sempre buscando algo e não tendo nada, tendo amigos para a vida inteira da última semana. Ele atado ao cotidiano e ela presa à necessidade de partir.
O que era inexplicável, no entanto, eram as mãos quentes e o coração querendo fugir do peito. A cada estação o vagão do metrô ficava mais vazio e a despedida ficava mais perto.
De repente ela veio andando em sua direção. Deixou os olhos deslizarem pelo chão, olhou para ele mais de perto e deixou o braço pender e as mãos se esbarraram meio por acaso. Ela deixou o vagão sem olhar para trás.
Ele se sentiu satisfeito pelo instante inexplicável, pela doçura das mãos dela que continuavam as mesmas. Ele não queria que virassem um desses casais amargos que precisam colocar a Certidão de Casamento na porta da geladeira para lembrar como o amor pode virar prisão e afogar.
Os anos passaram e a amargura inevitável estava nos olhos dos dois. Aquele encontro nada mais seria do que uma troca de olhares singela, um instante que provou que a doçura sai de algum lugar inexplicável e, junto com o lirismo, aquece os dedos.
Mas era para ser assim. Foi melhor assim. Foi melhor assim? A porta do vagão se fechou.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Ainda uma vez - Adeus!

Ao meu querido, adeus.

Por favor, sem lágrimas.
Dessa vez, sem lágrimas.
Você me conhece tão bem que já devia esperar. Estou partindo mais uma

vez.

Não fique assim, não seja criança, eu preciso desses dias longe. E, acredite, doerão mais em mim do que em você. Sei que é difícil entender minha necessidade de novos ares, mas só faço isso para depois, quando voltar, saber te apreciar ainda mais. É necessário.

Quero deixar claro que só você me faz feliz. Só quando estou com você eu acordo aos domingos sorrindo e olhando para um céu azul deslumbrante. Ninguém entende melhor minha melancolia do que você, só você é lírico como se deve, com esse seu jeito de menino preguiçoso que acaba me contagiando. Mas sem deixar de ser frio e amargo, às vezes.

Serão dias complicados, mas devemos saber viver por nós mesmos. Acho que o grau de dependência que eu tenho do seu calor não é normal. Preciso aprender a me bastar, meu caro.

Mas eu volto como de costume. Juro-te! Eu sei que você tem outros que te adoram e não se sentirá sozinho. Não quero que fique chateado porque, quando voltar com um sorriso imenso no rosto, vou querer de boas vindas uma brisa agradável me confundindo os cabelos. Daquelas que só você sabe fazer, meu amado Rio de Janeiro.

Vou morrer de saudade!

Beijos de quem te adora.