sexta-feira, 27 de junho de 2008

Next stop: my station

O metrô tem seus defeitos das 6 da tarde, mas o que eu mais gosto são as pessoas sentadas em fila, meio que sonhando com o nada, meio que pensando num sonho... Com seus óculos escuros, seus bonés escondendo os olhos e narizes, os cabelos desgrenhados e a falta de cabelos. Tudo isso durante o momento mais reflexivo, agridoce e esperançoso do dia.

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Liga da Justiça... gramatical

Era mais um dia comum na Portuguelândia. A Mulher Gramática (manterei sua identidade em sigilo) passava uma tarde no parque com seu complemento nominal. Aproveitavam o dia ensolarado e o céu azul turquesa para transformar o ar fresco em palavras muito leves e em mesóclises muito queridas. Porém, tudo estava prestes a mudar. O Alerta Aurélio foi disparado denunciando que um crime terrível estava as portas de acontecer na cidade, e ela teve que partir. Era muito cruel para a Mulher Gramática deixar seu complemento nominal e se tornar intransitiva de forma tão cruel e desalmada. A Vida, substantivo próprio, nunca tinha de fato a pertencido; ela é que fazia parte da vida alheia sem que o mel de outros olhos fossem de fato seus, ou sem que ela pudesse também ser o complemento de alguém.

A emergência na cidade se tratava do grande vilão, o Dr. Inscrivinhante, que corrompia criancinhas loucas por açúcar para o uso errado de acentos e atirava proparoxítonas nos pais desesperados que tentavam se proteger com simples escudos pronominais. Vã tentativa, os erros de português do Dr. Inscrivinhante amarguraram as águas dos rios assim como o coração dos habitantes. A cidade tinha se tornado um depósito de cinzas negras de antigos corações amantes de regras que costumavam fazer das palavras sem nexo companheiras de ausências.

A Mulher Gramática se deu conta do momento ímpar pelo qual a cidade passava; e os problemas iam além de erros gramaticais. Falando e escrevendo com tantos erros, cada habitante acabava por criar uma língua própria e se afundando na solidão de universos particulares em forma de bolha. Nossa heroína finalmente se deu conta que o Dr. Inscrivinhante queria deixar esse mundo, vasto mundo, mudo. Sendo assim, ela se armou, respirou coragem, para que se espalhasse pelos pulmões e pelo sangue, e deu início a uma das maiores batalhas entre Perspicácia e Ignorância (duas gigantes, as armas da Mulher Gramática e do Dr. Inscrivinhante) jamais vista.

A briga foi árdua. Os pessimistas apostavam na força da Ignorância, em como ela era uma força primeira, onipresente, enquanto os otimistas, mesmo fundamentados na bravura da Perspicácia e em sua inteligência, tinham suas dúvidas quanto a vitória. Era de conhecimento geral que a Ignorância era complacente e tornava o mundo mais agradável para os que nela viviam, só não acreditavam, ou se recusavam a enxergar, que a inteligência ilhada por Ignorância de nada serve.

Mulher Gramática sentia-se fraca, com pernas de chumbo, cansada de travar uma luta pelos livros e para as palavras; desiludida. Nesse momento de descrença lhe veio à mente uma arma usada em poucas ocasiões, somente em momentos propícios e necessários de fato: o raio de Neologismo. Essa arma, inventada há séculos, era uma das maiores criações da Perspicácia e só em momentos ímpares, quando não existia nada mais para ser usado, o raio era a arma da vitória.

O Neologismo teve o resultado além do esperado. Dr. Inscrivinhante não resistiu ao seu próprio veneno, a invenção de palavras, misturada com a sagacidade que só a Perspicácia possui. Aos poucos as crianças voltaram à escola e a cidade foi reconstruída. Os complementos, tanto verbais quanto nominais, voltaram aos seus lugares de direito, os acentos fugitivos estavam outra vez na Prisão dos Colchetes e Parênteses e até as aspas puderam voltar a cumprir o papel designado pelos “homens do poder”. A vida voltava ao normal, até a Mulher Gramática e seu complemento nominal passaram a virar uma locução adjetiva para, depois de algumas borboletas amarelas, virarem um singelo e açucarado adjetivo.

E o mundo do português estava a salvo mais uma vez!

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Molico way of life??

O efêmero é especial, singular, brilhante, doce e raro, obviamente. E é para que assim continue ou então seria da mesma beleza que um “bom dia”; a rotina é inimiga mortal da efemeridade. Se o comum vira raro e vice versa, os conceitos se trocam totalmente, mas ainda continuam a dizer a mesma coisa. A grande questão e raridade da efemeridade se localizam em tornar encontros quase diários (e doces demais para que não sejam rotina) tenham a mesma beleza, e brilho, e frescor que a efemeridade possui, só que sem perdê-la no final de cada dia. É possível prolongar o gosto que o efêmero deixa na boca por todo um dia? Até que ponto é crível, sendo vítima, prendê-lo para que não saia pelos poros e que não reflita pureza nos dentes? É plausível engoli-lo e fazer uma antropofagia de quem proporciona condição do efêmero para não perdê-lo mais? Para a última questão, pelo menos, a resposta afirmativa me parece provável.

É como uma assimilação da pessoa menos que do sentimento em si. É guardá-lo numa caixinha lilás no canto da estante para que não vá embora e, assim, tornar a sensação que lhe foi causada como própria, até porque aconteceu com e em você. Aquilo passa a ser parte sua e algo que ajuda a te definir.

Mas essa antropofagia sentimental (ou não) beira o perigo instantâneo e inegável. O amor pela aventura vai sempre existir, assim como a necessidade da segurança. Ao mesmo tempo em que nos jogamos no mundo, ao mundo, acabamos por optar muitas vezes pelo esconderijo, só que o efêmero não vem para quem vive enfiado num buraco escuro e fétido cavado pelo medo. Joguem suas caras ao vento, sejam o vento em suas caras. Mesmo que eu assim não aja, é o que eu gostaria de fazer e continuo trabalhando por. Quando o efêmero vira parte de nós e passa, assim, a estar em qualquer lugar que você esteja (porque é você mesmo) o efêmero vira o mundo e o vento e é ele que meneia as saias com os dedos doces e cheios de idéias. Não se tem mais como ou porque fugir.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

"Põe no cabelo uma estrela e um véu e diz que caiu do céu."

Ela era bailarina, já cansaram de afirmar; fazia o possível para continuar dançando mesmo que o público muitas vezes não se desse conta do espetáculo. Dessas princesas sem coroa que flutuam como pluma dourada sobre um chão de cristal. As sapatilhas eram coloridas com vidrilhos azuis e cheiravam a flor carmesim, dançava e os brincos faziam tlin-tlin. A bailarina vivia a rodar, fazia o mundo girar mais rápido e trazia o tempo entre os pés. Tempo esse que acreditava ser a dona até que; até.

Chegou ele. Ele. Com as flores entre os dedos cheirando a violetas, chapéu na mão e roupas com perfume de jasmim. Sem ação, a bailarina se perdeu, parou de girar, perdeu o controle do tempo, tamanho era o peso do coração que trasbordou todo aquele sentimento sem nome, aquele que ocupava todo o espaço, e lhe caiu nos tornozelos fazendo com que dançar não fosse mais possível. O que seria de uma bailarina que não pode dançar? Mas o amor tem dessas coisas, de nos grudar na terra, pisotear-nos enquanto nos beija com lábios de caramelo.

Com toda essa ternura por todos os cantos, com as pernas, braços e pontinha do nariz dormente, a bailarina não acreditou que o peso do amor às vezes fortalece as pernas e acelera o coração ao invés de quase fazê-lo parar. Ou vai ver faz com que pare de fato e tudo fique estático só com olhares. Não era ela, afinal, quem estava dormente, era o mundo que entrou numa dormência por causa de todos os sentidos, pelos olhos que o amor pede, pelos ouvidos que ele demanda, pelo tato inerente, pelo perfume sem explicações e pelo gosto açucarado de felicidade esperada.

Pois bem, a bailarina voltou a dançar, com jasmins esfolhados sobre os pés flutuantes, sapatilhas manchadas de flor carmesim e aqueles brincos fazendo tlin-tlin. O coração era música, e ela olhava para o mundo gigantesco guardado no cantinho do peito de flor em botão.