sábado, 19 de janeiro de 2008

olhos verdes, olhos de cinzas

Era interessante como seus atos frente aos olhos dela deviam parecer tão cafonas. Para ela o sair, o andar, o desconhecido era fascinante. Perguntava-se o que deveria ter acontecido com ele, como aqueles olhos verdes se tornaram cinzas daquele jeito. Inexplicável. Será que ela também teria virado um ser irreconhecível, enrugado?
Ele se perguntava há quantos anos não se viam. Quinze, vinte anos? Uma vida. Aquela vida. As lembranças antes esquecidas lhe vieram à cabeça manchando a retina. Os dois eram jovens, por um descuido ela engravidara e por destino perdeu o bebê. A mente infantil lhes fechou e o afastamento foi natural. Ela foi para outra cidade com a mãe viúva, ele continuou por lá, sem saber o que fazer, sentindo saudade do que poderia ter sido. Agora tudo era um sonho efêmero.
Ela jamais esqueceu. Ele ainda estava marcado em seu peito. Tinha fugido de si mesma quando foi embora e, para se deixar para trás, era preciso que ele passasse a fazer parte do passado.
Hoje eram pessoas completamente diferentes. Ela sempre o chamara de “meu anjo” pelos olhos doces e os dedos macios, mas hoje ele não era mais um anjo. Afinal não existem anjos fumantes, que usam terno de lã e bebem whisky. Só existe lirismo na adolescência. Que encanto ele poderia ter agora? Existe espaço para a beleza no “normal”?
Ela também tinha mudado. Não se fixava em lugar algum. Sempre buscando algo e não tendo nada, tendo amigos para a vida inteira da última semana. Ele atado ao cotidiano e ela presa à necessidade de partir.
O que era inexplicável, no entanto, eram as mãos quentes e o coração querendo fugir do peito. A cada estação o vagão do metrô ficava mais vazio e a despedida ficava mais perto.
De repente ela veio andando em sua direção. Deixou os olhos deslizarem pelo chão, olhou para ele mais de perto e deixou o braço pender e as mãos se esbarraram meio por acaso. Ela deixou o vagão sem olhar para trás.
Ele se sentiu satisfeito pelo instante inexplicável, pela doçura das mãos dela que continuavam as mesmas. Ele não queria que virassem um desses casais amargos que precisam colocar a Certidão de Casamento na porta da geladeira para lembrar como o amor pode virar prisão e afogar.
Os anos passaram e a amargura inevitável estava nos olhos dos dois. Aquele encontro nada mais seria do que uma troca de olhares singela, um instante que provou que a doçura sai de algum lugar inexplicável e, junto com o lirismo, aquece os dedos.
Mas era para ser assim. Foi melhor assim. Foi melhor assim? A porta do vagão se fechou.

Um comentário:

Anônimo disse...

Minnhas críticas e pareceres literários você já conhece. só me falta acrescentar algo: colocou o pijama, a pantufa, bebeu seu leitinho e foi dormir. As nove da noite.