terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Da inocência presente e do seu coração ausente

14 de fevereiro de 2008


Antônio Bento,


Já era noite e nada se movia. Nem as flores, as árvore, e nem ocê aparecia. Pois és um moreno desalmado, que com meia dúzia de cuidados e palavras de Arlequim me afogou em borboletas laranjas e amarelas com cheirinho de jasmim.
Pois venho por esta carta deixar claro que, seu moreno desalmado, tenho coração de cristal transparente e ocê, se revelando essa serpente, me picou com o desamor. Ora vejam se isso é papel de um sonhador?!
No começo era um beija-flor, um daqueles poetas com ardor e eu, ai de mim, com a inocência de botão, me deixei levar por um folião de uma terça-feira de Carnaval. Mal sabia eu que era uma quarta de cinzas.
Fui desavisada, me encantei pelos olhos de alvorada e fui vencida pelo lirismo descabido. Bem que meu coraçãozinho de advertiu, o pobrezinho, de que aquele malandro bem que podia se tornar amor. E não é que virou?!
Mas ocê pode descansar que devagar te tiro do meu peito. Eu só queria um pouquinho de respeito com essa terra em que ninguém anda! Pode aguardar, o dia há de chegar em que ocê, cheio de amor pra dar, vai bater na minha porta e eu, seu tapado desalmado, vou engolir a paixão e te fazer sofrer na minha mão.
Ocê deve ta dizendo que eu sou vingativa, que ocê não quis abrir uma ferida no coração de uma mocinha. Mas eu to no papel da iludida e foi o seu veneno que me amargurou assim.
Eu lembro do pavor, do dia em que tudo desandou, da festa em que eu descobri, meu Arlequim, que eu virei o Pierot. Ocê no meio do salão, com jeito de dono desse mundão, distribuindo sua doçura para as mulheres; e que desenvoltura! Depois veio cheio de carinho implorar pelo perdão, mas eu disse não. Ocê distribuindo doçura e pra mim jogou a amargura? Não foi sendo assim que ocê me conquistou.
Ocê provou que eu fui uma tola inocente, mas hoje eu sou descrente de tudo que ocê falou. Achei que tinha sido muito dura, que tudo foi culpa da mistura de bebida que ocê fez. Te dei outra chance, coloquei sua foto de volta na estante, mas ocê num apareceu. Num sabe a raiva que isso me deu! Te dei amor e ocê o que me deu?
Agora num quero mais saber de explicação! Desaparece nesse mundão, engolido pela terra. Num aparece mais cheio de dengo que eu vou acabar é sendo ignorante. Num bate mais na porta da cozinha com uma mísera florzinha numa mão e o chapéu defronte ao coração. Tô cansada dessa sua mania se jeito de dar beijo nos dedos para acalmar meu peito. Tô cansada dessa falta de chamego desse poeta charlatão.
Mas não, chega de confusão. Ocê não é poeta não senhor. É no máximo um rimador dessas cidades de interior. Eu quero é poeta que me guarde inteira, com direito a roseira, no coração de soneto. Ocê, rapaz desavisado, nunca provou nem um bocado de amor inocente. Se revelou uma serpente que canta música de paixão. Ah, comigo não!
Agora chega de promessas descabidas que hoje eu sou a Colombina e ocê o Pierot. O baile de Carnaval acabou e sua fantasia, ô Dalila, se desfez no chão. Eu to indo embora atrás de um poeta de verdade e ocê pare de malandragem. Cuida do coração das moças com carinho que eu te juro, mineirinho, elas vão ser só amor.
Mas chega, saia da frente que eu vou passando em procissão para encontrar um poeta, esse sim, que vai me transformar em verdadeira canção.

Com pouco amor no coração,

Eulália

Um comentário:

b. disse...

Que orgulho.
Nao existe palavra mais adequada, apenas orgulho.
Eu amei tudo que li, e nao teria dito se nao fosse verdade.
E eh tao bom quando a gente se depara com uma verdade tao bonita.
Continue escrevendo. As palavras, por mais sozinhas e solitarias que sejam, quando transpostas maestralmente conseguem um efeito que vai alem de qualquer explicacao racional. E aos poucos, elas recompoem o pedacinho de mim que quase estava esquecido,senao apagado, da memoria. Touche.