quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Cordofones... vocais ou não

Os dois estavam parados, um em cada canto da sala amarelada pela luz do pôr-do-sol. Ela temerosa, ele em outro lugar, distante, ela assim julgava. As janelas daquele apartamento que beirava as alturas estavam abertas, um vento passou carregando as partituras de cima da mesa e jogou-as no chão. Uma porta bateu sem que ela soubesse dizer onde.

Ganhou coragem, estalou os dedos. Havia um tempo que não o procurava e o nervosismo foi se acumulando na ponta das unhas. Na verdade não era falta de tempo, mas sim um crença descabida na incapacidade e talvez medo da confirmação dessa incapacidade. Ela andou até ele e o tirou do transe. Não podia esconder o fascínio, o nervosismo de examiná-lo numa devoção tão descabida quanto o medo. Sentou-se com ele acomodado sobre ela, deixando-se abraçar com ternura pelos braços finos, lânguidos e tão femininos. Se deixou explorar, quieto, sem emitir um singelo som. Os dedos finos e fortes de musicista passavam pelas curvas e deslizavam com doçura.

Era assim que ela gostava de ficar nos finais de tarde cansativos. O silêncio que tanto gostava entre eles, o silêncio de conforto, ele acomodado entre suas pernas, deitado sobre o peito e assim ela virava a senhora, a única, com os cabelos sendo lambidos pelo ar morno, a barra da saia que se sacudia ao dissabor do vento. Prendeu os cabelos e daí por diante era difícil saber quem sofria as ações de quem. Mais parecia uma dança.

Ela fechou os olhos, segurou-o mais de perto e com o andar dos dedos o trazia até a epiderme, e assim o trazia como queria; aos risos ou prantos (que não são assim tão distantes), como ela quisesse, com cócegas. O alegre e o triste dependiam e pendiam do coração e dos dedos dela que, com aquele arco, tirava a própria doçura ou amargura através de um violoncelo, numa paixão de tudo e de si mesma. E cada partitura que terminava, cada página que era virada, era o fim outra vez. Possivelmente era disso que ela tanto gostava. O começo e o fim, a doçura e a ruptura, tudo numa singela música. Esse turbilhão de emoções; de repente, não mais que de repente.

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