sábado, 9 de fevereiro de 2008

Carta para uma chilena; parte 2

Monróvia, 8 de fevereiro de 2008

Querida MJ,


Recebi sua carta com muita felicidade. Sua troca de pele, seu processo de renovação salta aos olhos e fica evidente no seu modo de escrever. Fico mais feliz ainda por saber que quando chegar em casa vou me deparar com uma amiga de coração livre. Seu período sabático em Casablanca foi inspirador e refrescante. Pude sentir a água nos seus pés enquanto você descrevia como o mar lhe deu um banho de esperança e ar puro. É interessante e doce passar pela experiência de ter um coração novo e cheio de ternura para preencher; e eu falo isso com propriedade, você sabe.
Vim para a África num misto de curiosidade e enjôo. Não sabia que era possível buscar um pouco de amargura para misturar a ternura com a realidade. É interessante como nós mesmos tentamos trazer nossos pés de volta à terra calejada e dura de tristeza, onde os olhos muito raramente espelham satisfação. Mas no entanto, outra parte de mim faz questão de deixar claro que estou aqui para me afogar na tal ternura. Para aprender com essa gente melancólica e, ao mesmo tempo, cheia de esperança. E isso cada vez mais parece se consolidar como a verdade e vai se transformando na principal experiência que a Libéria me proporcionou. Se sua caixinha lilás está vazia, a minha ficou abarrotada de sorrisos magros e olhares desconfiados. Mesma cheia de olhares tristes, vai ser muito difícil deixar essas pessoas para trás, essa gente nua de corpo e de alma. Arrisco dizer que esse é o estado mais puro que um coração pode chegar. Eu tinha a mania de, assim que acordava, colocar da forma que fosse, alguma música para tocar na janela do meu quarto. Pouco importava qual música tocava, só a satisfação do ritmo para eles era suficiente. Posso estar pintando um quadro que nada tem a ver com a realidade, mas assim me parece e é a inocência, talvez desses olhos de quem vê, que eu quero guardar.
Pois bem, é hora de partir. Algumas coisas estão ficando com as crianças, outras novas estou levando. Tudo já está em duas malas e, imaginando seu apartamento em Casablanca cheio de caixas e livros (tenho certeza) por todos os lados, eu acabei com saudade da minha casa com mesas de pés de livros e um pedaço de madeira como tampo. E, antes que você pergunte, todas as minhas caixinhas coloridas estão voltando. Algumas mais vazias, outras que quase não fecham.
O vento entra pela janela do quarto, meus cabelos mais compridos voam docemente ao sabor da brisa morna vinda do mar. Eu volto para casa em dois dias e estou cheia de esperanças e expectativa! Mesmo gostando daqui, eu quero a minha água salgada, minha brisa entre as ruas e as já mencionadas risadas de madrugada. E esse mesmo vento liberiano vem me anunciando as surpresas que eu vou ter quando chegar em casa e também do lirismo que, segundo ele, está as portas da minha vida e me espera por lá.
MJ, viemos à África com objetivos diferentes e, no entanto, partimos com a mesma doçura escarlate no rosto.

Estamos indo de volta pra casa.

Tereza

Um comentário:

b. disse...

Nao vou nem falar quem e o que esse post me lembrou...

Clap Clap Clap, minha querida tua redacao ta cada vez melhor. Cada vez mais refinada, repleta de referencias, flui sutilmente pelos olhos.

Posso ouvir o vento passar
assistir a onda bater
mas o estrago que faz...
a vida eh curta pra ver.